quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

O SONHO NÃO ACABOU



O sonho não acabou...
É essa frase do John Lennon que escolho como titulo para contar um pouco da minha história. Essa frase traduz um pouco da minha luta e daqueles que me amam e cuidaram de mim durante minha infância.
Nasci na noite de 06 de abril de 1978, através de parto natural no hospital São Lucas em Natal. Nasci saudável sem nenhum “defeitinho” em meu corpo. A mamãe fala que nasci com olhos abertos tentando assimilar tudo a minha volta.
Meus pais tinham um bom nível social e cultural. Tomei vacinas e dei os primeiros passos aos nove meses de idade. Aos dez meses de idade já conseguia dar pequenas “corridinhas” pela casa. Foram os únicos momentos dos quais tive a liberdade de andar e correr sozinha com minhas próprias pernas. Pena que não me lembro dessa sensação, pois eu era muito pequena. Apenas um toquinho de gente com perninhas grossas que se achava muita coisa porque já sabia andar sozinha e correr quando alguém ameaçava pegar no colo.
Aos 11 meses tive uma febre muito alta e me queixava de dores por todo corpo. Meus pais me levaram a um profissional da área da saúde e este constatou que a minha garganta estava muito inflamada e então aplicou em minha nádega direita uma injeção com uma medicação para combater a inflamação e a febre.

A partir daí eu não sentava, não andava e nem fazia as necessidades fisiológicas por vontade própria.
Minha mãe juntamente com toda família ficou em pânico. Então ela me levou a um médico ortopedista bem conceituado em natal que através de alguns exames, diagnosticou que eu havia sido infectada pelo vírus da pólio-mielite.
Ele então explicou a minha mãe que esse vírus deixa seqüelas. No meu caso houve um agravante que fora a injeção que tomei na nádega direita. Iria ficar paralitica por toda vida, mas que poderia obter progressos caso tivesse o tratamento correto.
Então minha mãe começou uma peregrinação comigo no colo entre a ABBR, no Rio de Janeiro, e o ITORN em Natal. Fui submetida à primeira cirurgia aos dois anos de idade. Nessa mesma idade comecei a nadar.
Foi a maneira mais rápida de recuperar toda a independência dos movimentos do meu corpo. Não me lembro de ter sofrido problemas de auto-estima e relacionamento com outras crianças.
Então aos seis anos, minha tia Arlete que morava em Brasília, propôs aos meus pais me levar para casa dela e assim eu ser tratada no hospital Sarah kubstheck. Morei longe dos meus pais e irmãos em busca de alguma evolução em minha locomoção já que eu usava aparelhos fabricados com ferro e couro que iam das minhas pernas até os quadris. Era muito pesado! Se por acaso eu caísse eu não conseguiria levantar sozinha.
Os médicos do Sarah ficaram impressionados com tamanhas seqüelas que existiam em minhas pernas. Não entendiam como eu conseguia ficar de pé.
Então foi feita a cirurgia. Foram cerca de oito horas. Saí com as duas pernas engessadas. As duas primeiras noites do pós-operatório foram muito difíceis. Eu sentia muitas dores e apesar de toda medicação elas eram inevitáveis. Eu não poderia ter acompanhante então ficava a noite inteirinha acordada segurando as laterais do colchão com força, até machucar as pontas dos meus dedos e assim esquecer um pouco a terrível dor que sentia nas pernas. Depois de recuperada da cirurgia Passei a usar um aparelho mais leve e que não iam até os quadris. Tinha mais facilidade para andar. Estava tudo ótimo pra mim! Inadmissível pra mim era ficar em uma cadeira de rodas como alguns médicos previam. Não suportava a idéia de ter que olhar pra cima pra falar com as pessoas. Por isso me sinto mal em falar com um portador de deficiência que sequer usam cadeira de rodas e “se arrastam” pelo chão. Sinto-me mal em ter que olhar pra baixo e fico mais aflita ainda em ele ter que olhar pra cima pra me olhar, estando ele na mesma condição física que eu.
Hoje tenho 32 anos e não sou dormente como a maioria das pessoas pensam. Sinto exatamente tudo. Sou sensível a qualquer toque. Fui casada durante quase oito anos. Desse casamento restou minha filha que hoje tem nove anos. Tive uma gestação tranqüila e feliz e minha filha nasceu perfeita. Ela se chama nickolle. Larguei meu primeiro marido por ele ser um ciumento acomodado e imbecil que não suportava a idéia de que eu fizesse sucesso.
Voltei a nadar em 2007 e participei dos jogos para-panamericanos no Rio de Janeiro e lá conheci meu segundo marido, pelo qual sou totalmente apaixonada e sei que ele também é por mim (do contrário eu não seria por ele).
Desde criança jamais esperei que as pessoas fizessem algo por mim. Eu sempre o fazia. Se me falassem que subir em cima da casa, me faria correr o risco de cair e me machucar, eu subia sozinha. No próximo obstáculo eu pensava: “ah! Se consegui subir na casa da outra vez, porque não vou conseguir fazer isso!”.
Eu me aceito e não tenho complexos em relação a minha deficiência. Me viro bem, mas se eu precisar da ajuda de alguém peço sem nenhum constrangimento. Por isso que sou tão bem aceita pela maioria das pessoas
Acho-me linda e não abro mão da minha sensualidade e individualidade.
Nunca sentei para ficar lamentando a vida e sinceramente não gosto de estar perto de pessoas assim.
Diante dessa curta experiência de vida, sei de muito pouco, mas uma coisa posso afirmar com certeza: todos nós somos portadores de uma força interior única independente de qualquer limitação. Pedras sempre irão existir em qualquer estrada para que sejam removidas por nós mesmos.
Existe uma frase que falo sempre diante de uma dificuldade: "O que para uns é o limite, para mim é apenas o começo”.